segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

O difícil caminho para dar alimento a 7 bilhões de pessoas


sex, 13/12/13
por Amelia Gonzalez |


Apontada por dez entre dez especialistas, inclusive pela ONU, como um caminho para resolver uma questão emergencial da humanidade – fornecer alimentos saudáveis  a 7 bilhões de pessoas – a agricultura familiar vem ganhando espaço nas mesas de debates sobre um mundo sustentável. Tanto assim que a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) determinou que 2014 será o ano da agricultura familiar. Aos céticos, que já estão se perguntando o resultado prático desse tipo de anúncio, vale lembrar que 2013 foi o ano da Quinoa. E não sei quanto a vocês, mas nos espaços onde compro meus alimentos, que incluem desde feiras orgânicas a grandes redes de supermercados, nunca vi tanta oferta deste cereal andino.
Logo, o que quero dizer é que tornar 2014 o ano da agricultura familiar pode ser útil para pôr holofotes sobre este sistema.  Agricultura familiar é definida como uma forma de organização agrícola, florestal, de pesca, pecuária ou aquicultura gerida e operada por uma família, abrangendo agricultores de pequena e média dimensão, camponeses, comunidades indígenas, pescadores e pastores. E, segundo pesquisadores, é imprescindível ter estudos sobre o tema que possam nortear algumas iniciativas a fim de dar mais força aos pequenos agricultores.
Na terça-feira passada (dia 10), no entanto, uma reportagem divulgada do jornal “Valor Econômico” concluiu que, sim, o crédito rural aumentou oito vezes em relação a dez anos atrás, mas os reflexos  disso sobre a produção são incertos. Isso porque, embora segundo o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), o Plano Safra Agricultura Familiar tenha disponibilizado R$ 4,2 bilhões em 2002 quando R$ 2,2 bilhões foram efetivamente contratados e  no ciclo 2012/13, foram anunciados R$ 18 bilhões e as contratações somaram R$ 18,6 bilhões, não há estudo  sobre os resultados agrícolas do emprego desse valor.
Pedi ao ex-presidente do Consea, especialista em segurança alimentar e atual pesquisador do Ibase Chico Menezes, que me ajudasse a pensar sobre o assunto.  Segundo ele, o MDA usa como referência  dados de 2006, dando conta de que produtos da agricultura familiar  ocupam 70% da produção de alimentos no Brasil. Mas, para Menezes, esse dado pode estar superestimado.
—- A agricultura familiar ganhou incentivos, respondeu com dinamismo, mas enfrenta dificuldades.  Tem uma importância fundamental para a alimentação dos brasileiros mas não podemos afirmar com tanta convicção que chegue a níveis tão elevados – disse ele.
Cuidadoso, Chico Menezes acha que é preciso lidar com esses dados sem muita euforia já que o agronegócio continua recebendo recursos governamentais proporcionalmente maiores e está de olho, é claro, na camada da população que saiu da miséria e começa a ter condições de pagar por seus alimentos.
—– É importante observar que enquanto a lógica do agronegócio é a de ter o alimento como mercadoria, a lógica da agricultura familiar é ter alimentos mais seguros e associados às culturas alimentares de cada região. Hoje o que mais nos preocupa no mundo é essa tendência cada vez maior de o alimento se tornar mais uma mercadoria.  A lógica é extrair lucro dos alimentos, o que põe o sistema alimentar em risco.
No Brasil de hoje, segundo Chico Menezes, enquanto o governo acha que é possível o agronegócio e a agricultura familiar conviverem lado a lado, a sociedade civil, basicamente representada pelo Conselho de Segurança Alimentar (Consea), enxerga aí um grande antagonismo.
—– Existe uma situação de disputa permanente e o Consea tem uma posição de que esse antagonismo não deve ficar escondido.  O governo tem programas importantes de estímulo à agricultura familiar mas ele precisa do agronegócio para equilibrar sua balança comercial com as exportações.
Com os incentivos, lembra Menezes, a agricultura familiar cresceu, houve aumento do crédito, dos tomadores de crédito:
—- Mas não basta haver crédito. Um ponto que precisa ser reforçado é a assistência técnica, que ainda é insuficiente. Acho que ainda existe um padrão da agricultura convencional, com uma carga muito grande de agrotóxicos. Outro aspecto a ressaltar é a dificuldade de acesso aos insumos, à terra. Vejo que, como já existem políticas para a agricultura familiar, todos esses pontos precisam ser examinados.
Um ponto frágil para a agricultura familiar é ter mercado para aquilo que ela produz, o que pode influenciar no seu nível de segurança para continuar no negócio. No Programa Fome Zero existe um subprograma que foi criado para unir as duas pontes:  a produção dos pequenos agricultores e os consumidores mais vulneráveis. No entanto, segundo Menezes, em onze anos de implantação o orçamento para este fim não passou dos R$ 2 bilhões.
—- A agricultura familiar brasileira recebeu reforço também por causa do programa nacional de alimento escolar – disse Menezes.
Hoje, no mundo todo, segundo informações do site da FAO, a agricultura familiar abrange 500 milhões de propriedades, motivo pelo qual a agência das Nações Unidas decidiu pôr o tema em evidência este ano. Dados de 2006 dão conta de que na América Latina e Caribe 80% das propriedades rurais eram de natureza familiar, empregando 70% da mão-de-obra agrícola.  Uruguai, Chile, Paraguai e Argentina tinham  apenas 30% das fazendas com esse sistema.
Perguntei a Menezes se ele acha que há uma tendência mundial de valorizar os alimentos não processados e ele disse que não. Na verdade, as práticas brasileiras são experimentadas em outros países.
—- E é importante também perceber que a agricultura familiar não se afasta da possibilidade de processar alimentos, muita coisa já é feita. Mas precisaria haver investimento severo para isso porque, ao mesmo tempo, se estaria trabalhando em prol de uma alimentação mais saudável – disse ele.
Sendo assim, ficamos combinados: a agricultura familiar é boa para todos. Mas a dificuldade de produção em escala, que vem melhorando mas ainda é grave, dificulta a vida dos pequenos produtores. A dica para nós, cidadãos que queremos alimentos saudáveis mas não temos como comprar produtos muito mais caros, é diversificar. Comprar em vários lugares, não só comparando preços mas também procurando novidades pode ser um bom caminho. É o que estou experimentando.


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