sex,
13/12/13
por
Amelia Gonzalez |
Apontada por dez entre dez especialistas,
inclusive pela ONU, como um caminho para resolver uma questão emergencial da
humanidade fornecer alimentos saudáveis a 7 bilhões de pessoas a
agricultura familiar vem ganhando espaço nas mesas de debates sobre um mundo
sustentável. Tanto assim que a Organização das Nações Unidas para Alimentação e
Agricultura (FAO) determinou que 2014 será o ano da agricultura familiar. Aos
céticos, que já estão se perguntando o resultado prático desse tipo de anúncio,
vale lembrar que 2013 foi o ano da Quinoa. E não sei quanto a vocês, mas nos
espaços onde compro meus alimentos, que incluem desde feiras orgânicas a
grandes redes de supermercados, nunca vi tanta oferta deste cereal andino.
Logo, o que quero dizer é que tornar 2014 o
ano da agricultura familiar pode ser útil para pôr holofotes sobre este
sistema. Agricultura familiar é definida como uma forma de organização
agrícola, florestal, de pesca, pecuária ou aquicultura gerida e operada por uma
família, abrangendo agricultores de pequena e média dimensão, camponeses,
comunidades indígenas, pescadores e pastores. E, segundo pesquisadores, é
imprescindível ter estudos sobre o tema que possam nortear algumas iniciativas
a fim de dar mais força aos pequenos agricultores.
Na terça-feira passada (dia 10), no entanto,
uma reportagem divulgada do jornal Valor Econômico concluiu que, sim, o
crédito rural aumentou oito vezes em relação a dez anos atrás, mas os reflexos
disso sobre a produção são incertos. Isso porque, embora segundo o
Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), o Plano Safra Agricultura Familiar
tenha disponibilizado R$ 4,2 bilhões em 2002 quando R$ 2,2 bilhões foram
efetivamente contratados e no ciclo 2012/13, foram anunciados R$ 18 bilhões
e as contratações somaram R$ 18,6 bilhões, não há estudo sobre os
resultados agrícolas do emprego desse valor.
Pedi ao ex-presidente do Consea, especialista
em segurança alimentar e atual pesquisador do Ibase Chico Menezes, que me
ajudasse a pensar sobre o assunto. Segundo ele, o MDA usa como referência
dados de 2006, dando conta de que produtos da agricultura familiar
ocupam 70% da produção de alimentos no Brasil. Mas, para Menezes, esse
dado pode estar superestimado.
- A agricultura familiar ganhou incentivos,
respondeu com dinamismo, mas enfrenta dificuldades. Tem uma importância
fundamental para a alimentação dos brasileiros mas não podemos afirmar com
tanta convicção que chegue a níveis tão elevados disse ele.
Cuidadoso, Chico Menezes acha que é preciso
lidar com esses dados sem muita euforia já que o agronegócio continua recebendo
recursos governamentais proporcionalmente maiores e está de olho, é claro, na
camada da população que saiu da miséria e começa a ter condições de pagar por
seus alimentos.
É importante observar que enquanto a
lógica do agronegócio é a de ter o alimento como mercadoria, a lógica da
agricultura familiar é ter alimentos mais seguros e associados às culturas
alimentares de cada região. Hoje o que mais nos preocupa no mundo é essa
tendência cada vez maior de o alimento se tornar mais uma mercadoria. A
lógica é extrair lucro dos alimentos, o que põe o sistema alimentar em risco.
No Brasil de hoje, segundo Chico Menezes,
enquanto o governo acha que é possível o agronegócio e a agricultura familiar
conviverem lado a lado, a sociedade civil, basicamente representada pelo
Conselho de Segurança Alimentar (Consea), enxerga aí um grande antagonismo.
Existe uma situação de disputa permanente
e o Consea tem uma posição de que esse antagonismo não deve ficar
escondido. O governo tem programas importantes de estímulo à agricultura
familiar mas ele precisa do agronegócio para equilibrar sua balança comercial
com as exportações.
Com os incentivos, lembra Menezes, a
agricultura familiar cresceu, houve aumento do crédito, dos tomadores de
crédito:
- Mas não basta haver crédito. Um ponto que
precisa ser reforçado é a assistência técnica, que ainda é insuficiente. Acho
que ainda existe um padrão da agricultura convencional, com uma carga muito
grande de agrotóxicos. Outro aspecto a ressaltar é a dificuldade de acesso aos
insumos, à terra. Vejo que, como já existem políticas para a agricultura
familiar, todos esses pontos precisam ser examinados.
Um ponto frágil para a agricultura familiar é
ter mercado para aquilo que ela produz, o que pode influenciar no seu nível de
segurança para continuar no negócio. No Programa Fome Zero existe um
subprograma que foi criado para unir as duas pontes: a produção dos
pequenos agricultores e os consumidores mais vulneráveis. No entanto, segundo
Menezes, em onze anos de implantação o orçamento para este fim não passou dos
R$ 2 bilhões.
- A agricultura familiar brasileira recebeu
reforço também por causa do programa nacional de alimento escolar disse Menezes.
Hoje, no mundo todo, segundo informações do
site da FAO, a agricultura familiar abrange 500 milhões de propriedades, motivo
pelo qual a agência das Nações Unidas decidiu pôr o tema em evidência este ano.
Dados de 2006 dão conta de que na América Latina e Caribe 80% das propriedades
rurais eram de natureza familiar, empregando 70% da mão-de-obra agrícola.
Uruguai, Chile, Paraguai e Argentina tinham apenas 30% das fazendas com
esse sistema.
Perguntei a Menezes se ele acha que há uma
tendência mundial de valorizar os alimentos não processados e ele disse que
não. Na verdade, as práticas brasileiras são experimentadas em outros países.
- E é importante também perceber que a
agricultura familiar não se afasta da possibilidade de processar alimentos,
muita coisa já é feita. Mas precisaria haver investimento severo para isso
porque, ao mesmo tempo, se estaria trabalhando em prol de uma alimentação mais
saudável disse ele.
Sendo assim, ficamos combinados: a
agricultura familiar é boa para todos. Mas a dificuldade de produção em escala,
que vem melhorando mas ainda é grave, dificulta a vida dos pequenos produtores.
A dica para nós, cidadãos que queremos alimentos saudáveis mas não temos como
comprar produtos muito mais caros, é diversificar. Comprar em vários lugares,
não só comparando preços mas também procurando novidades pode ser um bom
caminho. É o que estou experimentando.
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